A política por trás do Counter Strike 1.6

tradução de artigo de The Class Conscious Gamer

texto original publicado em Game Losers no dia 28 de abril de 2014 


 "Lembre-se: terrorismo é a capacidade dos oprimidos de realizarem ataques cirúrgicos. Continue seguindo em frente!" (Vendedor de camisetas, Slacker, 1991)

Como um anarco-fourierista e uma pessoa de posições políticas radicais de maneira geral, estou convencido de que a política perpassa todos os cantos de nossas mentes e todas as facetas da sociedade. Sendo assim, não acredito que exista qualquer criação ou trabalho artístico do homem, seja de pequeno ou grande porte, intocado por alguma forma de ideologia. Com esse propósito, hoje escreverei sobre o que analiso ser uma expressão ideológica não evidente do "mod" de jogo Counter-Strike, que foi lançado em 1999, popularmente chamado de Counter-Strike 1.6 pelos jogadores.

Parte frontal do box do jogo Counter-Strike 1.6

Para contextualizar um pouco as táticas e estratégias adotadas dentro do jogo (os cenários e avatares são escolhidos a partir de opções dadas), parece ser necessário explicar os modos disponíveis (cada um deles gira em torno de uma expressão distinta de terrorismo). Na versão comercial do Counter-Strike há três modos diferentes incluídos:

  • Os mapas de demolição são centrados no lado "terrorista" tendo como objetivo plantar uma bomba em um de dois possíveis locais. Os terroristas devem garantir que ela exploda, precisando protegê-la por um intervalo de tempo após instalá-la.

  • Os cenários de resgate de reféns demandam que o time contraterrorista conduza personagens não jogáveis a uma zona de "fuga" após tê-los resgatado dos terroristas para, assim, vencer a rodada.

  • Já o modo assassinato, raramente selecionado, só possui um mapa na versão original do jogo, e tem como missão dos contraterroristas levar um personagem controlado por um jogador (chamado de "VIP") para a zona de fuga enquanto os terroristas tentam matá-lo.

Os cenários — conhecidos pelos jogadores como "mapas" — que podem ser escolhidos no Counter-Strike incluem o já mencionado 1) assassinato de um VIP a bordo de uma plataforma petrolífera, 2) a invasão de um aeroporto por contraterroristas com o objetivo de resgatar reféns que estão dentro de um jato na pista de pouso e 3) a detonação indiscriminada de todos os tipos de estruturas e construções, como ruínas astecas, realizada por terroristas. Alguns dos cenários não têm qualquer enredo e, quando possuem alguma estrutura narrativa, geralmente retrata o lado terrorista de maneira comicamente maligna, querendo explodir as coisas e machucar as pessoas sem qualquer propósito concreto. Ao justapor uma ideia infantilizada do que causaria o terrorismo (se é que existe, no jogo, qualquer motivação além da perversa destruição em si) com a estética realista de terroristas atacando uma área e matando pessoas sem hesitar, revelam-se os preconceitos dos designers do jogo. Pensar que pessoas de um grupo organizado causariam grandes quantidades de danos materiais ou físicos à uma população ou governo sem qualquer justificativa é uma falácia genuína do mundo ocidental. Produzir um trabalho baseado nessa ignorância é a mesma coisa que criar propaganda política.

Mais evidente do que o conteúdo de alguns desses cenários, o maior consentimento que o jogo faz ao imperialismo racista do ocidente são, provavelmente, os personagens de cada equipe do jogo (conhecidos como "terroristas" e "contraterroristas"). Do lado dos "contraterroristas" temos o louvado Seal Team Six da marinha dos EUA, o GSG-9 da Alemanha, o famoso Serviço Aéreo Especial (da sigla "SAS" em inglês) do exército da Grã-Bretanha e a força francesa especial GIGN. Eles não demandam qualquer explicação, já que é possível ler sobre as unidades militares em quais elas se baseiam, as façanhas que já realizaram e tirar a sua própria conclusão a partir disso.

Da equipe "terrorista" fictícia, pode-se escolher a "Conexão Fênix", descrita como operante no leste europeu, a “Equipe de Elite” retratado pelo jogo como um “grupo fundamentalista do Oriente Médio determinado a dominar o mundo e a cometer vários outros atos perversos", “Vingadores do Ártico”, da Suécia, e os “Guerrilheiros”, apresentados como “uma facção terrorista que foi fundada no Oriente Médio, têm uma reputação de serem impiedosos. A sua aversão pelo estilo de vida americano foi manifestada quando, em 1982, eles explodiram um ônibus escolar que estava lotado de músicos de rock and roll”1.

É bastante revelador que os únicos terroristas de regiões do ocidente foram elaborados a partir da imaginação dos criadores do jogo, enquanto os demais... são do Oriente Médio, além de serem "fundamentalistas" que odeiam a "liberdade". Junte isso com o fato de que esses terroristas — pelo menos na compreensão dos designers do Counter-Strike — nunca realizam ataques por qualquer motivo e só visam mortes e destruição, e você começará a entender essa tímida visão de mundo neoliberal que os desenvolvedores têm da geopolítica e pessoas oprimidas do planeta.

Do lado oposto à equipe terrorista estão os "homens brutos dispostos a praticar violência" de Orwell, os "bons moços" de fato — vários grupos policiais e militares do ocidente.

Embora o Counter-Strike tenha sido criado no final dos anos 90, ele continua descrevendo as linhas gerais da indústria de videogames moderna, com exceção da recente e pequena onda feminista liberal e seu consentimento tácito e irrefletido com as forças imperialistas e o descontraído racismo liberal a la Bill Maher2. O que escrevi aqui se aplica facilmente a muitos jogos de tiro politicamente genéricos e mecanicamente entediantes que têm sido desenvolvidos enquanto você lê esse texto ou que foram lançados há pouco tempo, o que faz com que esse artigo não seja apenas "crítico à nostalgia", mas que também mostra como a indústria de jogos — especificamente a de games de tiro — não avançou sequer um passo em direção a arena crítica e segue sendo, de maneira geral, uma pornografia de masturbação militar e um reflexo do raciocínio preguiçoso das pessoas que desenvolvem e jogam esses títulos.


1

Optei por trazer os nomes e as descrições dos grupos/facções da tradução brasileira. Caso alguém saiba a autoria, por favor, avise para que eu adicione ao texto.

2

Famoso comediante estadunidense nascido em 1956 que ainda se apresenta no programa Real Time with Bill Maher. Além da participação em diversos programas televisivos, o apresentador também é conhecido por piadas e comentários racistas e sexistas feitos em público.