Sou xenófobo, sou, não tenho dúvida,
tenho medo do estranho, do estrangeiro,
Tenho pavor à novidade,
para mudar falta-me a vontade.
Sou dos que olham o desconhecido de revés,
leio Camus e vejo-me a acusar,
sou o estalajadeiro que aponta o dedo
ao peregrino
só salvo por um cantar de galo!
Tenho medo da novidade,
dos galegos e dos malteses da atualidade!
Perante a turba precipitada de gente,
pessoas, crianças, jovens, mulheres e homens,
a galgar um risco imaginário no chão,
ou um muro com vidros partidos colados no cume,
ou num pedaço de plástico flutuante,
a fobia, então latente, galga cada pulmão,
assalta o arame farpado das minhas goelas,
transcende os cacos de vidro da minha desrazão,
treme-se-me a voz e penso no meu irmão.
Aquele que faz vida em França,
e nos filhos dele;
E no nosso tio, há anos noutro continente,
A quem não vemos com os braços
há mais de quarenta. E nos filhos dele.
E noutros parentes, amigos e conhecidos,
uns foram agora, outros nunca voltaram,
apesar de regressarem, de quando em quando,
espalhados pelas quatro partidas do mundo.
E penso no que os levou a partir desta terra,
deste jardim, deste canto, deste ninho, a sua casa.
Por necessidade, por falta de vontade,
por todas e mais razões, irracionais.
Por sobrevivência.
Para lá serem olhados a cada dia,
por olhos iguais aos meus,
alheios, cegos de xenofobia.
E penso neste mundo sem países estanques,
herméticos e sem tampa, válvula e gatilho de arame,
como as garrafas de gasosa, espumantes
Do medo irracional e lícito,
Desconhecendo o seu irmão.
O Homem é inquieto,
é preciso haver em qualquer tempo
ou lugar, cada caralho
(se assim me é permitido falar)
que se mete numa caravela ou numa balsa
e vai ao guinéu, ao tamil, ao japonês,
ao guarani, ao inca ou ao moicano,
a entrar-lhes pela terra dentro sem pedir autorização
e a pregar-lhes varicela, sarampo, o tifo e a religião;
violando, queimando e matando, ocupando;
ou outro caralho
(se me é permitido falar)
que se mete a cavalo a ver
onde acaba esta terra,
caindo por aí abaixo como uma nortada,
suevos, alanos, vândalos silingos e asdingos,
mouros, visigodos, castelhanos, franceses e espanhóis,
e antes deles os romanos, gregos, iberos e mongóis,
a ver onde o sol se punha e onde nascia,
Alexandre em cima de um cavalo com cabeça de boi,
Semeando conquistas como quem planta,
E antes dele Xerxes, Ramsés, e todos as tribos nómadas
pelos milénios até ao primeiro ramo da primeira árvore
de onde desceu o primeiro hominídeo!…
E haja alguém que comece a meter pedra e arame nesse muro
que tem de ser feito ao redor do planeta Terra,
porque o Homem não se quedará aqui,
vai querer casa na Lua, jardim em Marte
e plantar vinhas em Europa.
E desse lado haverá alguém como eu,
com olhos enviesados, com medo
Sou xenófobo, sou, faz parte;
mas tenho vergonha de ser assim.
21.03.2024
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